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segunda-feira

Assim falou Nietzsche





O valor da oração

A oração foi criada para pessoas que nunca tiveram pensamentos próprios e que ignoram o que é a elevação da alma ou a experimentam sem dela se darem conta: que devem fazer essas pessoas nos lugares santos e nas circunstancias importantes da vida que exigem repouso e uma espécie de dignidade? Para pedir pelo menos que elas incomodem, os fundadores de religiões, grandes ou pequenos, lhes recomendaram na sua sagueza a fórmula da oração: longo trabalho mecânico dos lábios, aliado a um esforço de memória e a uma posição determinada das mãos, dos pés e do olhar! Ruminem uns então, como o Tibetanos, cem mil vezes o Om mane padme hum, ou contem pelos dedos, tal como em Benares o nome do deus Ram-Ram-Ram (e assim por diante, com ou sem graça), ou honrem Vishnu com os seus mil nomes, ou mesmo Alá com os seus noventa e nove, quer utilizem rosários ou moinhos de orações... o essencial é que esse trabalhos mantenha imóveis durante um tempo e lhes confira uma visão suportável; a sua maneira de rezar foi inventada em benefício das pessoas que conhecem o pensamento e a elevação da alma por experiência pessoal. E mesmo estas têm horas de lassitude em que uma litania de palavras e de sons veneráveis, uma piedosa mecânica, lhes fazem bem. Mas, a supor que essas pessoas raras - o homem religioso é uma raridade em qualquer religião - saibam livrar-se de embaraços sozinhas - os pobres de espírito nunca sabem livrar-se de embaraços - e proibir-lhes o matraquear da oração é tirar-lhes a sua religião, como revela cada dia mais o protestantismo. A religião só lhes pede que estejam tranqüilos, com os seus olhos, as suas mãos e suas pernas, e os seus outros órgãos quaisquer: o que os embeleza durante um tempo e os torna mais semelhantes ao ser humano!


As condições para Deus

"O próprio Deus não poderia existir sem os homens sábios" disse Lutero, com boa razão; mas "Deus ainda menos poderia existir sem os insensatos" isso foi o que o bom Lutero não disse.


Uma decisão perigosa

A decisão cristã de considerar o mundo feio e mau transformou o mundo em feio e mau.


Origem do pecado

É uma invenção judaica e com este pano de fundo da moralidade cristã, o cristianismo procurou de fato, judaizar o mundo inteiro. Até onde conseguiu chegar na Europa percebe-se, sobretudo pelo grau de estranheza que a Antiguidade grega - mundo isento do sentimento do pecado - conserva sempre para nossa sensibilidade, mau grado toda a boa vontade que um grande numero de gerações e de indivíduos notáveis empregaram para se aproximar dele e o assimilar. "Deus só perdoa perante o arrependimento" eis o que faria um grego sorrir ou irritar-se, que diria: "Pensamentos de escravo!"


A cor das paixões

Naturezas como a do apóstolo Paulo não têm bons olhos para as paixões, só vêem nelas o lado sujo, o que desfigura e destrói os corações; em função disso o seu pendor idealista objetivando a destruição das paixões: vêem através do divino sua total purificação. Ao contrário de Paulo e dos judeus, o pendor idealista dos gregos dirigia-se às suas paixões, amavam-nas, colocavam-nas em planos altos, douravam-nas e divinizavam-nas; obviamente que com as paixões não sentiam-se somente mais felizes, mas ainda mais puros, mais divinos.
E os cristãos? Aspirariam tornar-se judeus neste aspecto? Terão conseguido?


Guerra de religião

A guerra de religião foi até o momento o maior progresso das massas: uma vez que nos mostra que a massa começou a tratar os conceitos com grande consideração. As guerras de religião só começam a partir do momento em que a razão geral está suficientemente afinada pelas sutis disputas das seitas, para que a própria plebe adquira sutileza, tome a sério pequenas coisas, e chegue mesmo ao ponto de admitir que a "salvação da alma" depende de pequenas diferenças de conceitos.


Esperanças Alemãs

Não podemos esquecer que os nomes dos povos são freqüentemente nomes injuriosos. Os tártaros são, por exemplo "cães" de acordo com o seu nome: foram os chineses que os batizaram. A designação de "alemães" (Deutschen) significava originariamente os "pagãos", era o nome que os godos depois de sua conversão deram aos seus irmãos de raça ainda não batizados, de acordo com a tradução dos Septuaginta, em que os pagão se encontravam designados pela palavra grega que significa "os povos": veja-se Úlfila. Seria ainda possível que os alemães se honrassem , apesar de tudo, com um nome que foi antigamente uma injúria , tornando-se o primeiro povo não cristão da Europa: Schopenhauer gostava de mostrar que a Alemanha tinha grandes disposições nesse sentido. Assim se ultimaria a obra de Lutero que lhes ensinou a ser anti-romanos e a dizer: "Eis me aqui! Sou assim, não sei agir de forma diferente".


Diferentes perigos da vida

Vós ignorais o que vos acontece, correis pela vida a maneira de bêbados, caindo de vez em quando por uma escada. Mas, graças à vossa embriaguez, não partis a espinha: os vossos músculos estão muito moles e a vossa cabeça demasiado obscurecida para que acheis as pedras desses degraus tão duros como é para nós! Para nós a vida é um perigo maior: nós somos de vidro; desgraçados de nós se acabarmos por esbarrar em algo. E se cairmos é o fim de tudo!



Fonte - A Gaia Ciência, Friedrich Nietzsche