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segunda-feira

Belobog e a transmutação (Mitologia Eslava)



UMA DATA SAGRADA

Poucos espíritos afortunados realmente sentiram, mas passamos por uma época do ano considerada mágica e sagrada por nossos ancestrais. Nestes dias que precedem o fim de mais um ciclo de nosso planeta em torno do astro solar, era comemorado por toda a Europa e, por que não todo o mundo, uma data que simbolizava o nascimento – ou renascimento – das principais divindades de cada cultura. Quando tudo indicava que o a escuridão triunfaria sobre as forças solares, que o gélido ar do inverno iria cada vez mais esfriar o mundo e, com ele, os espíritos que o habitam, terminando por acabar com toda a sua vontade, congelando-os eternamente; surge
um evento que muda tudo de forma drástica – o solstício de inverno, que marca o renascimento da divindade, o princípio da reação das forças solares.
Este evento foi conhecido por distintos nomes através dos povos e da história. Entre os germânicos era chamado de Yule; entre os romanos, Sol Invictus; para os chineses, a data era conhecida como Dong Zhi (a chegada do inverno). Entre os persas, assim como os romanos mitraístas, este evento celebrava o nascimento de Mitra; que futuramente mataria o touro, o qual, na realidade, era ele mesmo – simbolismo que foi exoterizado nas touradas espanholas. Para os Maias e tribos guatemaltecas, esta data marcava o nascimento do deus “Wotan” – também conhecido como Gutan/Guatan –, que possui o mesmo nome do deus germânico e, além disso, também era o senhor da noite e da escuridão – aquele que desce à noite e à escuridão para derrotar a mesma. Também temos a conhecida data cristã que celebra o nascimento do menino-deus, Cristo. Apenas com este breve resumo das crenças mitológicas relacionadas ao Solstício de Inverno, de vários povos espalhados pelo globo, pode-se perceber a grandiosidade deste evento e sua convergência nas mais distintas tradições. Mas, para o que seguirá, citarei um sistema mitológico pouco conhecido; mas que, assim como todos os outros, possui uma sabedoria grandiosa e especial. Irei ater-me aos contos eslavos, pois eles, além de mostrarem todo o magnífico significado desta data, mostram também um caminho a ser seguido – uma via que expõe o motivo e as razões de nossa transmutação e o sentido para a volta às nossas mais nobres e
remotas origens.


A LENDA DA CRIAÇÃO

De acordo com os contos e lendas desta mitologia, desde o princípio do universo manifestado, do tempo, este mundo já era habitado por uma diversidade de seres com as mais variadas aparências.
Alguns possuíam formas que lembravam aquela dos humanos e outras não; mas nenhuma delas correspondia a qualquer expectativa dos deuses, talvez por estas criaturas terem sido apenas escravas – por faltar nelas algo de especial. Svarog, odeus supremo, ansioso por mudar esta situação, enviou seu filho, Belobog – Deus Branco, nos idiomas eslavos – para criar neste mundo uma raça de homens que fosse realmente digna do feitio dos deuses; que seriam os avatares de seus criadores neste local, os quais se encontram nas vastas alturas celestiais, em um universo regido por outra ou nenhuma lei. O motivo desta criação, ou transmutação, foi a de que estes seres vindouros se tornassem encarregados de portar a sagrada mensagem dos deuses para este universo, que os ajudassem em sua luta em comum conosco – pela libertação, contra o caos e a
desordem.

Após receber esta ordem de seu pai, o Deus Branco descendeu de alguma forma ao nosso universo material para concretizar esta necessidade. Depois de uma série experimentos malsucedidos, Belobog finalmente criou – ou transmutou – uma raça que, de acordo com as suas mais marcantes características, foi nomeada de Nobre. Após este magnífico feito, voltou à sua origem para avisar a seu pai de seu grande sucesso. Este, finalmente convencido de que agora
havia neste local um povo realmente digno de homens, de verdadeiros escolhidos dos deuses – pois talvez estes seres também fossem deuses em sua mais remota origem –, enviou seu filho de
volta ao nosso mundo, para cumprir outra parte de sua missão, também de grande importância.


O REINO DE BELOBOG

Após cruzar o rio de volta à origem extra-cósmica com a gratificante mensagem de seu sucesso, seu pai ordenou-lhe que estabelecesse seu trono na mais remota das localidades do Pólo Norte – um reino, uma fortaleza inexpugnável – para que o Deus Branco pudesse observar calmamente o desenvolvimento de sua Raça Nobre.

Esta localidade ficou eternizada nas mitologias como as míticas cidades de Asgard, Agartha/Agarthi, Thule, Tula, Hiperbórea, etc10. Além disso, nesta local mágico, Belobog era também o guardião dos portões celestiais da entrada para o ‘verdadeiro universo’, através da ponte encantada do arco-íris, do bifrost. Após ter consumado estes feitos, seu pai ordenou-lhe que ensinasse a estes nobres seres a leitura e a profunda simbologia dos signos rúnicos – os segredos suspirados, destinados apenas aos deuses. Foi também ordenado que o Deus Branco deveria, todos os anos, na sagrada data do solstício de inverno, visitar as crianças de seu precioso povo, para assegurar que eles estavam estudando e aprendendo os mistérios e segredos das runas, que seriam de máxima importância na batalha final – contra as forças negras que querem apagar toda a recordação do sangue, que leva o ser de volta à sua origem. Para as crianças que se mostrassem interessadas pelo conhecimento, eram oferecidos presentes por seu grande esforço e persistência na busca da sabedoria. Mas aquelas que não se mostrassem tão atraídas pelo estudo destas ciências – dos segredos divinos –, eram alertadas pelo Deus Branco sobre o quão essencial esta sabedoria era para o próprio ser e do perigo que a ausência dela acarreta para a sobrevivência de seu povo, assim como a de seus idealizadores – os deuses – e, assim, de toda a esperança de uma
transmutação e do reencontro de um futuro passado.


AS LENDAS DO SANGUE NÃO MORREM

Esta antiga lenda dos povos eslavos demonstra toda a importância do deus branco em nossa ante-história e, assim, em nossos mitos e lendas. Além disso, nos serve como um guia espiritual, demonstrando o grande papel da raça nobre sobre este planeta – atuando como agentes de um outro universo neste próprio. No presente ciclo existencial, fomos transmutados para juntamente
com eles, os deuses, lutarmos lado a lado contra o caos; contra as forças da escuridão e do aprisionamento na batalha final. Muitos podem pensar que esta lenda e sua simbologia morreram juntamente com a conversão de nossos ancestrais ao cristianismo. Porém, assim como muitas outras tradições, Belobog foi adaptado à religião cristã e continua vivo entre nós. Em todos os
solstícios de inverno, o Deus Branco, nas as antigas mitologias já citadas, visitava suas mais preciosas crianças, presenteando aquelas que reconheciam sua importância futura, que estavam estudando os mistérios das runas, os segredos vindos dos deuses – aquelas que caminhavam para desenvolver seu potencial máximo. Ao mesmo tempo em que fazia isso, o deus alertava àquelas que não estavam levando seu aprendizado tão a sério – as que ignoravam o quão importante eram para ambos os mundos; para sua transmutação em heróis e, assim, em deuses.

Foi desta forma que surgiu a lenda cristã do Papai Noel, que entrega presentes às crianças que
foram boas durante o ano, que as recompensa por seu bom comportamento e por seu esforço. Isto fica óbvio quando analisamos algumas tradições natalinas (do nascimento, ou renascimento) de alguns países. Nas tradições ucranianas, assim como nas sérvias e de vários outros países eslavos, se conservam canções natalinas típicas que são chamadas até hoje de “Canções de Kolhada” – nome que deriva de Kolada/Koliada –, uma denominação típica de alguns países para o Deus Branco. Ainda hoje, nestes países, séculos após a cristianização, todos os natais são celebrados com canções cujas melodias são dedicadas ao próprio Belobog, o responsável pela transmutação coletiva de nossa raça nobre e que, de sua fortaleza inexpugnável, procura acordar por uma vez mais a voz de nosso sangue – pois se seu chamado for ouvido, isto significaria o renascimento da esperança da recuperação do caminho de volta à origem.


*Artigo lançado originalmente na Revista Cultural Tholf #05, em Janeiro de 2010.